PETER VAN GLADE - 15/06/1972 - Anoitecer

Após assegurar que Isabel estava segura, Peter toma seu rumo para a delegacia. O cheiro, organização e energia daquela casa o deixava mais do que incomodado. Estava puto de fato. Seu estômago doía pela agressão assim como pela fome. Sua vida nunca fora fácil e teria que adaptar-se para mais um novo período. Edmund provavelmente fora obrigado a tê-lo assim como ele, Peter, a aceitá-lo. Não seria o melhor momento para ser um rebelde. Não agora.

Com um certo receio chega á delegacia, retira seus óculos escuros, apresenta-se e aguarda. Um local pequeno e simples porém com julgamentos dignos de uma cidade pequena, na qual ele entende que para ser aceito deveria ser um "exemplo cidadão." Eis era tudo o que nunca quis ser. Exemplo de ninguém, porém um exemplo a si mesmo.


Peter nunca deixaria sua essência de lado. Ele seria sempre aquilo que sempre foi: Liberto e um grande músico. Seu sonho em aprender a tocar gaita nunca ficou de lado. Possuia uma barata, comprada na loja de esquina de Taylor que entre um cigarro de maconha e outro trabalhava.

Peter abre seus olhos, naquele lugar que certamente seria uma pocilga.

Ele se levanta e aos poucos sua mente vai lhe informando de tudo aquilo que lhe privou durante o sono, que por sinal, péssimo. Sua mente lhe avisava do lugar sujo, dos ratos, do cheiro de fezes e urina vindos do corredor, o gosto de sangue na sua boca, e um pequena dor no estomago, onde fora agredido.

Peter sai do seu quarto, cuidando para não pisar em algum daqueles malditos gatos, e vai para o banheiro. Tenta escovar os dentes de uma maneira que não necessite respirar, como aquele velho vivia daquele jeito? quando ele sai para o corredor, o chão havia de tudo, latas e garrafas de cerveja, manchas na parede que com certeza seria urina do "tio". 

Ele se apressa e vai até a sua mochila e pega os documentos da condicional e seus livros e caderno para se apresentar na porcaria da escola, preferiu não utilizar sua moto, pois sua habilitação era falsa, e o Xerife local saberia que ele não teria idade para pilotar uma moto, por causa dos documentos da condicional. Mas para garantir, ele leva sua moto até os fundos da casa e a prende numa corrente que levava na bolsa.

Peter acordara com fome, aproveita que o tio está dormindo e abre a geladeira, não havia nada a não ser bebidas, uma garrafa de leite que parecia azeda, e um prato com algo indizível nele, que preferiu nem tocar, teria mesmo que aguentar até a hora do almoço na escola.  

Na saída da casa, Peter se depara com uma cidade despertando, algumas pessoas o olhava estranho, pois sabiam que não se tratava de um "local", ele arrisca se aproximar de algumas pessoas para lhes perguntar sobre a delegacia, e com algum custo consegue a informação.



Quando chega à delegacia, havia um policial que o olha curioso e manda ele se sentar. Após um tempo, o policial Jhones se aproxima de Peter e com ar desconfiado lhe pergunta

- Muito bem Rapaz o que quer aqui? seja breve estamos ocupados.

"MALDIÇÃO!!!! MALDIÇÃO!!!" pensa Peter enquanto limpa sua boca com  o gosto amargo de sangue e derrota pessoal. Entende ele que mais um conflito seria o significado certo de uma derrota. Estaria fadado a isso.

Senta-se, respira profundamente e tenta acalmar-se. Pensa em Isabel, Elaine e seus ânimos são levemente diluídos. Recorda-se do sonho que tivera.

"Se eu pudesse ver ela...."

Acende outro cigarro - que estava acabando - e lembra-se da última vez que ele e Elaine estavam na estrada.

Em seu sonho, os lábios tenros e doces de Elaine tocam a boca de Peter. Tudo estava perfeito! após se beijarem, ambos sobem em sua motocicleta e aceleram pela estrada, com os ventos os abraçando unicamente, eram somente os dois, com uma estrada infinita à sua frente...a estrada...algo estranho parece estar incomodando seu sono...a dor... A DOR!!

Peter desperta com uma dor lacerante em seu estomago, e quando percebe tem um cano de espingarda enfiada em sua boca e logo acima dele, seu "tio", apontando a arma para dentro da sua boca e com algo prateado em outra mão, mas aos poucos percebe que não foram ferido pelo objeto pontiagudo e sim pela coronha da espingarda que seu "tio" providenciou

- Muito bem garoto, vamos deixar umas coisas bem claras, que acho que você não entendeu. "Minha Casa minhas Regras", senão consegue aceitar isso por ser muito estúpido, é só pegar suas coisas e ir embora daqui e aguardar ser preso. Se for me criar problemas, eu ligo para a Assistência Social e você volta para a cadeia no mesmo dia, simples assim. Você escolhe, eu não estou aqui para ficar pajeando o filho da vadia da minha irmã e o namorado vagabundo dela. Quando você um dia tiver a "sua casa", daí você faz o que nela quiser...e foda-se...Ahh outra coisa, se eu ver você andando de novo com uma faca, faço uma ligação e você volta preso.

O Sr. Edmund, retira a espingarda da boca de Peter, que acaba cuspindo um pouco de sangue, e vai embora ser querer dar ouvidos caso Peter tenha alguma reclamação. O único barulho que se ouve é o bater da porta do quarto do seu "tio" que fica no final do corredor.

A situação para Peter estava complicada, a vontade dele era de gritar, de chorar, de pular pela janela e ir embora daquele lugar deixando o fogo tomar conta de tudo...Mas ele não podia, sua vida era a LIBERDADE, ele não podia mais ter sua vida cerceada de LIBERDADE, e  o preço seria 1 ano...apenas 1 maldito ano...tudo que ele teria que suportar era apenas 1 maldito ano...

Ele errou, tomou um rumo na vida que colocaria sua liberdade em risco, novamente. Então teria que se esforçar para tentar, ao menos, tentar, seguir o jogo e suas regras, seria o preço a pagar para poder ter sua vida de volta novamente.

Ele não conhecia as "autoridades" de Everet Falls, mas o documento da condicional era bem claro (...deverá se apresentar às autoridades locais no prazo de 1 (um) dia útil, após a chegada na cidade de Everet Falls). Sim, ele teria que se apresentar na delegacia da cidade, teria que se matricular na escola local, teria que viver um ano com seu desprezível "tio" e teria que seguir "as regras" para que depois desse período ele pudesse seguir suas próprias regras.

Um ano...um só maldito ano...

Peter pouco importava-se com a merda de tudo que estava acontecendo em sua vida desde que Isabel (sua moto) pudesse fazê-lo sentir os ventos em seu rosto e cabelos. Fora sua maior conquista e nada lhe traria mais alegria que a garota de duas rodas. Talvez...

Elaine talvez pudesse trazer a ele este mesmo prazer, mas sua teimosia e senso de liberdade e suas irresponsabilidades a tiraram do caminho. 

Para ele, seu nome viera de algum maldito parente da Holanda, que ele não conhecia... e que vá para o inferno seja lá quem for. Tudo que Peter tinha era sua motocicleta sob suas pernas e a carteira de habilitação falsa, e pra que mais? trabalhava só para poder pagar a manutenção da sua Bike e comer, senão morreria, senão precisasse comer nem perderia seu tempo.

A estrada lhe deu a liberdade que sempre almejou, mas cobrou seu preço, fora preso aos 13 anos num reformatório por que agrediu um policial, que ele achava que precisava de educação. Hoje aos 15 foi solto sob condicional, e teve que ir para algum lugar, esse Lugar. Everet Falls.

Que cidade de merda...ele estaciona sua bike no centro, bem no entardecer, precisaria achar outro maldito parente que a Assistente Social lhe indicara, um tio, ou algo assim. Seu pai nunca conheceu, sua mãe, sumiu. Peter desde então vivia em orfanatos.

Ele abaixa seus óculos e observa tudo aquilo, teria que passar um ano aqui. Vai até o posto de gasolina local e pergunta ao velho frentista se conhecia um "tal" de Sr. Edmund Glade. O velho então lhe indica uma velha oficina de carros que estava fechada aquela hora, mas era próxima.

Peter agradece, estava cansado, viajara de longe e precisava só de uma parede para encostar seu saco de dormir. Ele pilota sua moto até o local, uma casa bem velha, e buzina.

Espera um tempo, quase querendo ir embora, e vê as luzes da casa se acendendo, após um tempo, a porta se abre e o senhor Edmundo aparece armado com uma espingarda na varanda.



Ele cospe no chão e diz

- Você deve ser o maldito parente que o governo quer que eu cuide? pois bem moleque do inferno, se me encher o saco vai voltar para os cuidados do governo num saco de corpos. Entra, e já aviso, não tem comida e não vou fazer, se não comeu durante a viagem foda-se!

Edmundo entra e deixa a porta aberta, pelo menos em alguma coisa eles combinavam, odiavam parentes.

Peter encosta sua moto, pega seu sacola com as suas coisas e entra no local.

O lugar era uma baderna só, havia tudo em desordem, e gatos espalhados pela casa, e o velho Edmund estava na sala, sentado numa poltrona velha e fedorenta, com uns 6 gatos em cima dele, tomando uma cerveja e vendo algum programa na TV. Sem olha para Peter ele diz.

- Tem um buraco lá em cima que vc pode chamar de seu quarto, e vou avisando os gatos aqui tem mais direito que você, ou seja, se aprontar com eles, você morre. Se não trouxe um saco de dormir vai ficar no chão, não tenho cama lá e não vou comprar.

Ele cospe no chão, acaricia seus gatos e continua

- Amanha se inscreva na merda da escola, e depois da aula, venha pra cá trabalhar na oficina, não vou cuidar de você de graça, nem é meu filho, e se fosse não cuidava também, foda-se! Suma da minha frente.

O Sr. Edmund cospe mais uma vez, tira sua espingarda do ombro e a encosta no sofá e fica vendo a TV.

O que dizer dessa criatura decrépita que era seu "parente"? Peter nem perde tempo dizendo nada, só responde a si mesmo ("só um ano")...ele então atravessa sala fedida e desarrumada, com cuidado para não pisar em nenhum daqueles malditos gatos, se fizesse isso teria certeza que seria assassinado ali mesmo. Quanto desses bichos  haviam lá? ele devia ter contado uns 20, isso só lá na parte de baixo.

Peter subindo as escadas, sobre o ranger da madeira, percorre o corredor na parte superior da casa, e acha o "buraco" que seria seu quarto. Assim que se depara com o lugar, ele pensa que a cadeia era mais humana.

Havia ratos nas paredes de madeira podre, e o "banheiro" na cômodo à  frente, fedia a urina de 1 mês parada no mesmo lugar, de repente o grito do seu tio lá de baixo

- Não dê descarga!! aqui eu economizo água e dou descarga a hora, o dia, e o mês que eu resolver fazer isso. Se não gostou, vá despejar seus dejetos no jardim dos fundos, e se não gostou também foda-se!

Peter novamente não diz nada, não havia nada pra dizer naquele momento, ele só queria deitar e dormir. Ele pega uma vassoura que estava ali no corredor, expulsa os ratos do lugar, fecha a porta e joga suas coisas no chão...("só um ano"). Ele abre seu saco de dormir e se deita, por via das dúvidas coloca sua faca numa posição que fique fácil pegá-la, caso o "tio" se demonstre um pervertido.
 
Ele se deita, de roupa mesmo, cruza os braços em seu tórax e olha para o teto esperando o sono lhe alcançar, mas o arranhar da madeira dos malditos ratos lhe incomodava, mas era melhor nem falar nada, talvez os ratos também tivessem mais direito que ele ali.